Atenção: Post muuuuito longo!
Olá a todos! Este ano, por ainda fazer muito frio, pedi à minha mãe para me ensinar a fazer alheiras. Antigamente, a minha mãe e a minha tia faziam-nas nas férias da semana do dia 1 de Novembro (bons velhos tempos em que, para além do dia 1 de Novembro ser feriado, também significava uma semana de férias!), mas como agora nem feriado temos, quanto mais férias, as alheiras ficaram um bocado abandonadas.
Apesar da maioria das pessoas não pensar em fazer alheiras, achei que seria boa ideia partilhar a maneira de as fazer aqui no blogue, mais não seja para ficar registado. Espero que gostem, apesar do post ser longo, e, quem sabe, pode ser que alguém ache útil e se aventure, também, a fazê-las!
Antes da receita, deixo a história das alheiras, retirada da wikipédia e com um toque meu, para os leitores estrangeiros ou mesmo portugueses que não saibam a história desta iguaria:
A alheira é um enchido típico português, cujos principais ingredientes são a carne de aves (peru, galinha, etc.), pão, azeite, alho e colorau. Diz-se que foram os cristãos-novos (que, na verdade, continuavam a ser judeus) que, para darem a ilusão de também fazerem chouriços com carne de porco, começaram a fazer o seu enchido com outras carnes e bastante colorau. Assim, à vista desarmada, pareciam também fazer enchidos com carne de porco, continuando a manter-se fieis à sua religião.
A mais famosa das alheiras é a alheira de Mirandela (Trás-os-Montes), que foi considerada uma das sete maravilhas da gastronomia portuguesa. Contudo, diz-se que a alheira genuína vinha parar a Mirandela vindas das regiões mais remotas de Trás-os-Montes, da zona de Vinhais e Miranda do Douro (esta zona onde passo férias, portanto!).
Aqui para o Norte, alheira é consumida grelhada, de preferência na brasa (que é como eu mais a gosto de comer, apesar de normalmente, em Lisboa, a grelhar no microondas), acompanhados e uns grelos cozidos ou levemente "entalados" numa frigideira. Outra maneira comum de a confecionar, que se vê mais pelos restaurantes, é a alheira frita, com batatas fritas e um ovo estrelado (assim já não gosto tanto, acho um bocado enjoativo). Mas há muitas outras maneiras de usar a alheira, basta usar a imaginação! Desde risotos a cogumelos recheados.
A mais famosa das alheiras é a alheira de Mirandela (Trás-os-Montes), que foi considerada uma das sete maravilhas da gastronomia portuguesa. Contudo, diz-se que a alheira genuína vinha parar a Mirandela vindas das regiões mais remotas de Trás-os-Montes, da zona de Vinhais e Miranda do Douro (esta zona onde passo férias, portanto!).
Aqui para o Norte, alheira é consumida grelhada, de preferência na brasa (que é como eu mais a gosto de comer, apesar de normalmente, em Lisboa, a grelhar no microondas), acompanhados e uns grelos cozidos ou levemente "entalados" numa frigideira. Outra maneira comum de a confecionar, que se vê mais pelos restaurantes, é a alheira frita, com batatas fritas e um ovo estrelado (assim já não gosto tanto, acho um bocado enjoativo). Mas há muitas outras maneiras de usar a alheira, basta usar a imaginação! Desde risotos a cogumelos recheados.
Cá na terra do meu pai é costume fazerem-se as alheiras usando também toucinho, mas eu gosto é das que faz a minha mãe, que aprendeu com a madrinha do meu pai. São uma delícia e, apesar de ser contra tudo o que dê muito trabalho na cozinha, para fazer estas alheiras vale a pena. Vou tentar explicar o melhor possível, mas qualquer dúvida já sabem é só deixarem um comentário ou mandarem um e-mail!
Utensílios necessários
Panela(s) de pressão (ou então, uma panela grande de ferro, se tiverem a sorte de ter uma - ou várias!)
Lareira
Alguidares grandes
Colher de pau grande
Varinha mágica/almofariz
Algodão/cordão para chouriços
Facas afiadas
Agulhas de coser (com linha enfiada)
Pregos ou traves no tecto para fumeiro (na divisão da lareira)
Enchedeira - Podem encontrar à venda por aqui nalgumas mercearias, a nossa contudo foi comprada na Feira da Luz
Enchedeira
Ingredientes (renderam cerca de 80 alheiras)
Uma galinha partida as pedaços
3 pernas de perú aos pedaços
2 punhados de sal
2 dentes de alho + 2 cabeças e meia de alhos
1 galho de louro (ou cerca de 10 folhas, nós pusemos o galho para ser mais fácil de o retirar)
2 molhinhos de salsa
Uma "bica e meia" de tripas de vaca para alheiras (pede-se nas lojas por aqui ou nas fábricas de enchidos e pelos vistos toda a gente percebe!)
1 copo de aguardente
1 copo de vinagre
2 pães grandes (como vêm na foto, têm de ser dois pães muito grandes!) - de preferência, caseiros e já com 2 ou três dias de feitos.
1/2 l de azeite
5 c. sopa bem cheias de colorau
A minha irmã mostrando o tamanho que os pães devem ter
A minha mãe, com uma bica e meia de tripas na mão
Modo de fazer:
Numa panela de pressão (nós fizemos em duas, em duas rodadas portanto seriam quatro panelas de pressão!) ou na panela de ferro, cozer as carnes com bastante água (que cubra bem as carnes), até a carne ficar bem cozida (tem de se soltar do osso sem esforço). Na panela, juntamente com as carnes, juntar o sal, 2 dentes grandes de alho, um dos molhos de salsa e o galho de louro.
Primeira leva de panelas de pressão!
Enquanto as panelas fervem, preparar as tripas, que vêm em meadas (as tais bicas!) e cheiram mal que se farta. Num alguidar, pô-las de molho com água a ferver, metade do vinagre e metade da aguardente, bem como algum detergente para a louça. Deixar de molho alguns minutos, mudar a água e repetir, com o resto da aguardente e do vinagre. Passar bem por água.
As tripas de molho
Tirar as carnes das panelas e esperar que arrefeçam. Reservar e coar o caldo.
O caldo encheu-nos três tachos grandes
Enquanto as carnes arrefecem, cortar as fatias do pão. Confesso que, de toda esta saga, foi o que me custou mais! Primeiro, eu não sei cortar pão... Quer dizer, corto fatias normais, numa tábua, com a faca do pão, mas não é isto que se pretende. A ideia é ficarmos com fatias tão finas que lembrei folhas de papel (daí o pão ter de estar bastante duro para se puder cortar). E não estou a exagerar! (Ninguém gosta de comer alheiras com bocadões de côdea, pois não?). Reservar num alguidar bem grande.
A minha mãe a cortar o pão. Dá jeito protegerem-se com um pano nos joelhos, para se aproveitarem bem todas as migalhas
Os pães, já bem fatiadinhos
Agora é tempo de virar as tripas. Parece complicado, mas é a coisa mais fácil deste mundo. Fiz um passo a passo para ser mais fácil de explicar:
1 - Cortar as tripas com cerca de 2 palmos de tamanho.
2 - Pegar numa das pontas da tripa e enfiar no seu interior todo o resto da ripa, de modo a ficar numa espécie de bolsa (cuidado com as unhas grandes, não vão elas furar a tripa).
3 - Pôr a ponta debaixo da água a correr e deixar que a força da água faça todo o trabalho de virar a tripa.
4 - E pronto, já estão as tripas viradas! Agora é só repetir as lavagens com a água a ferver. Se ainda tiverem um cheiro muito intenso, juntar aguardente e vinagre como da primeira vez (nós fizemos isso).
Escorrer as tripas. Agora é altura de lhes dar o nó. Também parece difícil, mas é bastante simples e, apanhando-lhe o jeito, é num instante. Também fiz outro passo a passo para que todos percebam:
1 - Cortar o fio com aproximadamente dois palmos (antes grande demais que pequeno demais!)
2 - Segurar uma das pontas da tripa entre o polegar e o indicador. Segurar também, paralelamente, a ponta do fio.
3 - Passar a ponta do fio em redor do polegar, pelo lado esquerdo, e rodeá-lo pela frente do indicador.
4 - Enfiar o fio pela linha que se criou.
5 - Dar um puxão bem forte (isto é importante, para a tripa não se desatar quando se estiver a encher).
6 - Dobrar para a frente a ponta da tripa.
7 - Repetir o nó de há bocado, rodeando o polegar pelo lado esquerdo.
8 - Passar a ponta pela linha recém-formada e dar outro puxão rápido..
9 - Dispor as tripas num prato, todas viradas para o mesmo lado para ser mais fácil na altura em que se estiverem a encher.
Por esta altura já as carnes devem estar frias. Desfiar em pedacinhos pequenos.
Enquanto a galinha se desfia muito bem apenas com os dedos,
achei útil utilizar a faca para o peru.
Alguma da carne já desfiada.
Daqui conseguem ver o caderninho onde estava a apontar tudo!
Picar um ramos grande de salsa. Descascar duas cabeças e meia de alhos grandes (parece muito, mas por alguma razão se chamam alheiras!).
Cá estão eles, à espera de novas instruções!
Por esta altura fomos jantar. Podem deixar isto tudo preparado de um dia para o outro, se não quiserem ou não puderem fazer tudo no mesmo dia.
Aquecer o caldo das carnes. Tem de estar bem quente mas sem ferver.
Entretanto triturar os alhos com um pouco do caldo, utilizando a farinha mágica ou um almofariz. Reservar.
Deitar o caldo quente sobre as fatias de pão. Mexer com uma colher de pau grande e abafar com um pano durante alguns minutos.
Aqui voltámos a coar o caldo, para termos a certeza que
não ia nada que não interessasse!
Tudo bem abafadinho!
Entretanto aquecer as carnes, pondo-as de molho num pouco de caldo ou água quente.
Aquecer o azeite.
Juntar alho ao pão embebido e mexer bem com a colher de pau.
Juntar o colorau.
A minha irmã despejando colheres bem aviadas de colorau,
enquanto a minha prima ima mexendo com a colher de pau.
Juntar a carne desfiada.
A minha mãe a juntar a carne
Juntar 2/3 do azeite quente.
Mexer bem - lembrem-se que queremos que fique tudo em papa, sem bocadinhos de pão!
Agora vem a parte divertida: encher as alheiras!
Colocar a enchedeira numa das pontas da tripa e encher. Apertar bem a massa das alheiras, de forma a não ficarem com bolsas de ar. Dá jeito atarem com uma linha uma agulha de coser para irem picando a tripa de forma a fazer sair o ar, assim quando apertarem evitam que a alheira rebente (o que às vezes é inevitável que aconteça). Atar a ponta e voltar a atar do outro lado, para termos a certeza que o recheio da alheira não vai para lado nenhum!
Eu, muito concentrada, a encher uma alheira.
Apesar de não muito perfeitinhas, e com algumas bolhas de ar,
fiquei orgulhosa de mim própria!
Usem roupa que possam sujar à vontade, que se forem como eu acabam o serviço como o Cristo ao fim da Via Sacra (o que até nem está mal, visto estarmos na Quaresma!).
Ir dispondo as alheiras num outro alguidar. Se enquanto estiverem a encher as alheiras a massa começar a ficar fria, aquecer o restante azeite e juntar à mistura.
Cá estão elas, com um aspeto muito pouco apelativo,
por enquanto!
No fim das alheiras estarem cheias, passa-las por água e pendurar.
A minha mãe e a minha prima a passarem as alheiras por água
Como nós não sabemos acender a lareira (isto é real e verídico: este ano o meu pai não teve férias, portanto não temos quem nos acenda a lareira) ficaram a escorrer na casa do forno de um dia para o outro (elas escorrem azeite e água por umas horas, portanto é boa ideia proteger o chão com sacas ou plásticos), antes de irem para casa do meu primo Xico onde a lareira está acesa o dia inteiro.
As alheiras, a pingar na casa do forno. Aquela ali no chão caiu
(às vezes acontece, por isso lembrem- se de apertar bem os nós!)
A minha prima, já em casa do meu primo Xico, a dispor as alheiras nos pregos.
Agora é esperar quatro dias até estarem prontas a comer (há gente que as tira mais tarde do fumeiro, mas nós gostamos assim). Como já foram feitas anteontem, sábado já estão prontas para grelhar.
Ter o cuidado de acender as lareira e mantê-la acesa durante todo o dia.
Espero que tenham gostado! É assim que se fazem as alheiras à nossa maneira ;)